Antes da Lei n° 9.455/1997, não havia nenhuma definição legal sobre o
crime de tortura.
O termo realmente era mencionado em algumas leis, mas de forma genérica,
de modo que a Doutrina nunca aceitou que houvesse a tipificação do crime de
tortura antes dessa lei.
Quando a lei foi criada, parte dos doutrinadores a criticaram pela
imprecisão na tipificação dos crimes, mas devemos entender que ela foi votada
às pressas e sem muita discussão no Poder Legislativo, isso pois, o Brasil
estava sob o impacto emocional do que aconteceu na Favela Naval, em
Diadema-SP.
Nesse caso, uma série de reportagens investigativas conduzidas em 1997
acerca de condutas praticadas por PMs flagraram os policiais extorquindo
dinheiro, torturando, humilhando e até executando civis sem motivo aparente. O
fervor das discussões então levou à apresentação de um projeto de lei que foi
rapidamente aprovado pelo Poder Legislativo, sem as discussões que seriam
necessárias à elaboração de uma lei tecnicamente bem-feita. Portanto, foi nesse
contexto em que essa lei foi criada.
Como estamos estudando a lei e não a história dela, essa introdução foi
dada para ambientar em que situação a lei surgiu, para quem se interessar pela
reportagem citada, veja esse vídeo da primeira reportagem sobre o flagrante da
tortura. Vamos continuar com a análise da lei.
Define-se Tortura, “qualquer ato pelo qual dores ou
sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são causados intencionalmente a
uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou
confissões; ou de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido; ou de intimidar ou coagir esta
pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de
qualquer natureza, quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um
funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por
sua instigação, ou com o seu consentimento.”
Essa definição é resultado da Convenção Internacional contra a Tortura e
Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, aprovada pela
Organização das Nações Unidas em 1984 e promulgada pelo Brasil em 1991.
Por essa definição, percebemos que a tortura não se resume apenas à imposição de dor
física, mas também ao sofrimento mental e emocional, é a chamada "tortura
limpa", pois são imperceptíveis ao olhar desatento.
A lei nº 9.455/1997, logo em seu art. 1º nos dá diversas informações
importantes, Veja:
"Art. 1º Constitui crime
de tortura:
I - Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou
de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego
de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma
de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos."
Podemos concluir então que o crime de tortura tem as seguintes características:
1. É
um crime material. (se você não sabe o que é isso, leia esse artigo ( https://direitizando.blogspot.com/2019/09/crime-material-x-formal-x-de-mera.html#more)
2. É
possível a tentativa e a desistência voluntária.
3. Não
se admite arrependimento eficaz e nem arrependimento posterior.
4.
É ação penal pública incondicionada.
Ainda pelo texto do art. 1º, podemos notar que existem várias modalidades
de tortura, a variação vai de acordo com a intenção do agente, vejamos:
1. Tortura-Prova
(tortura persecutória): Ocorre quando a
finalidade é obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa (inciso I, alínea "a")
2. Tortura-Crime
(tortura para a prática de crime): Ocorre para provocar ação ou omissão de natureza criminosa. (Inciso I, alínea "b")
3. Tortura-Racismo
(tortura discriminatória): Ocorre em razão de
discriminação racial ou religiosa (Inciso
I, alínea "c")
4. Tortura-Castigo: Ocorre como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida preventiva (Inciso II)
Interessante ressaltar que a tortura-castigo é classificada como crime próprio, visto que é praticada por alguém que
tem o dever de guardar, por exemplo: A mãe que tortura o filho. As demais são
crimes comum.
Seguindo a lei, vemos o parágrafo primeiro, que diz:
"§ 1º Na mesma pena
incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento
físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não
resultante de medida legal."
Essa parte claramente faz menção ao agente público que tortura
alguém que está sob sua responsabilidade, como exemplo, o carcereiro que
tortura o preso, ou, o Delegado que tortura o suspeito. Esse parágrafo reforça
a lei do Abuso de Autoridade e a Constituição Federal, que assegura "aos
presos o respeito à integridade física e moral" (art. 5, XLIX).
No parágrafo segundo, há:
"§ 2º Aquele
que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apura-las, incorre na
pena de detenção de um a quatro anos."
Sabemos que a omissão já é tema abordado no Código Penal, porém nessa
lei, atente-se para o fato dela falar que a omissão é imputada apenas para
quem tinha O DEVER de evita-la, ou seja, aquele que não tinha o DEVER
mas PODIA evitar a tortura e não o fez não responde criminalmente. Esse é um
tema muito criticado pela doutrina.
Seguindo, o parágrafo terceiro expõe:
"§ 3º Se
resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de
quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos."
Essa é a tortura qualificada, portanto, atente-se que as qualificadoras
são: lesão corporal grave, gravíssima ou morte. A lesão corporal leve não é
qualificadora para o crime de tortura.
"§ 4º Aumenta-se a pena
de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de
deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III - se o crime é cometido mediante sequestro."
Nesse texto, devemos abraçar a definição de agente público em lato
sensu, com base nos termos do Código Penal que fala que para efeitos penais
deve ser considerado agente público "aquele que, embora transitoriamente
ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública."
Deve-se atentar ao ECA para entender o inciso II. Criança, de acordo com
o ECA, abrange pessoas que tenham menos de 12 anos; adolescente é acima de 12 e
menos de 18.
Quanto ao sequestro, conta-se apenas quando o agente sequestra a pessoa
para um determinado fim, e durante esse ato, torture a vítima. O agente que
sequestra a vítima com único intuito de torturar não se enquadra nesse Inciso.
"§ 5º A
condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a
interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada."
O efeito desse parágrafo é extrapenal administrativo da condenação. O
STF e STJ já decidiram que esse efeito decorre automaticamente da condenação.
"§ 6º O crime de tortura é inafiançável
e insuscetível de graça ou anistia."
Não tem direito a fiança quem comete tortura, tampouco tem algum tipo de
perdão.
"§ 7º O condenado por crime previsto
nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime
fechado."
Após condenação, o agente criminoso cumprirá a pena em regime fechado,
não há possibilidade de iniciar a pena em prisão domiciliar, por exemplo.
"Art. 2º O disposto nesta
Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território
nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob
jurisdição brasileira."
Dependendo da situação, a lei de tortura pode ser aplicada fora do
território nacional, são elas:
- Quando a vítima for brasileira;
- Quando o agente se encontre em local em que a lei brasileira seja, em
geral, aplicável.
Para nunca mais esquecer:
obrigado, vou usar na faculdade ta? <3 não me processa rsrs
ResponderExcluirQue triste esse caso da favela naval =/
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